Fora do âmbito literário, gosto muito de ler textos filosóficos, sociológicos e, às vezes, psicanalíticos. Um autor que me agrada muito, não somente pelas ideias, pela coragem e pela ruptura, mas também pela beleza do texto é o Nietzsche.
O primeiro que li dele e que casava demais com as minhas reflexões na época foi O Anticristo. Não se arrepiem, por favor, porque o livro não faz apologia ao mal, a Lúcifer ou whatever, tampouco critica Cristo. Ele questiona sim o que foi feito do cristianismo e como este se apoiaria no enfraquecimento das potencialidades humanas. O filósofo chega a afirmar que o cristianismo nega Cristo. Não é uma leitura pra adotar como "manual da vida", nem dá para concordar com tudo, mas é interessante na medida em que descortina muitos dogmas e nos obriga a pensar.
Mas não é esse que vou indicar aqui. Um livro um pouco mais leve, menos polêmico, talvez, mas de um esclarecimento e beleza tamanhos é Sobre a verdade e a mentira em sentido extramoral. Nesse ensaio, Nietzsche analisa os limites da verdade, ao ser traduzida por uma linguagem que se pretende neutra e isenta de qualquer recurso retórico. Para o filósofo, a ciência, que postula a revelação da verdade, deixa-se enganar, ao supor um racionalismo ou a descrição como uma revelação. "Pois fosse esse o caso, teria de tornar patente, em algum lugar, a aparência ou o irreal". Por trás dos conceitos, conclui o autor, há sempre um edifício de metáforas que atinge diretamente nossos sentidos, e é um perigo ignorá-las. "A humanidade possui, no conhecimento, um belo meio para o declínio", conclui.
Apesar de identificar no sistema de códigos um instrumento de abreviação da realidade, Nietzsche não deprecia a linguagem em si, mas sim a paralisia que a noção de verdade sobre ela provoca diante da pluralidade do mundo. Não há desvalorização, já que para o filósofo, as ficções são imprescindíveis para a conservação e manutenção da espécie. Além disso, segundo ele, quando a necessidade de comunicação e linguagem se fez presente entre os homens, surgiu dela “um excedente dessa arte e dessa força, uma espécie de tesouro que o tempo empilhou e que espera um herdeiro que o desperdice (...)”; para ele, o artista é esse herdeiro. Desta forma, a critica nietzschiana volta-se contra o esquecimento do processo de invenção das palavras, isto é, contra o abandono do caráter ficcional da linguagem em nome de uma crença em seu poder de representação da realidade, conseqüentemente, em seu poder de produzir discursos verdadeiros sobre a mesma.
O interessante é que Nietzsche faz uso das mesmas metáforas a que se refere para construir sua reflexão, criando uma espécie de ensaio poético que demonstra sua própria tese.
Um lindo e pertinente texto, escrito aos 29 anos, que antecipava a sua verdadeira obra de gênio.
Minha nossa!
ResponderExcluirAbsolutamente encantada com o blog! Ainda mais lendo a respeito de Nietzsche!!!
Parabéns pela pertinência do seu blog. Virei fã e voltarei sempre aqui!
Um beijo,
Déia