Numa família em que a maioria optara por profissões pragmáticas, regidas pela razão, minha avó se insurgiu entregando-se às letras. Era a poetisa da família. Teve coluna em jornal baiano (era soteropolitana), lecionou, e nos presenteava com acrósticos em bela caligrafia nas datas comemorativas.
Minha mãe, bióloga, e meu pai, contador, tratavam o ofício da escrita como um saber sagrado, profundo, somente acessível a almas escolhidas. Eles liam sempre, mas tratavam seus textos - corretíssimos - com excesso de modéstia, no que cresci achando que as canetas bem deviam ser varinhas de condão de onde saíam revelações mágicas.
Quando criança, me arriscava a fazer uns livrinhos artesanais e gibis muito dos incoerentes, acreditando empreender algo como um rito secreto de iniciação na escrita. Preenchi montes de cadernos e tomei para mim, de um modo bem picareta, a tradição de minha avó de compor versos às pessoas queridas.
A questão é que, já com 30 anos na careta, continuo nesse rito de formação. Ainda me sinto amadora, aprendiz, tentando domar a língua em algo que se pareça com uma escrita própria. A exemplo de meus pais, vejo-me diminuída ante o mito de criar textos, apanhando em especial da prosa. A ilogicidade sobressaltada da minha cabeça melhor se expressa em versos, pois, como já dizia Gil, "na lata do poeta tudo-nada cabe", inclusive idiossincrasias surreais.
Mas o curioso é que dessa relação de deferência e treino, adquiri uma mania sintomática: colecionar canetas, cadernos e, o mais estranho de todos, finais de livros. Há alguns anos, registro em cadernos os parágrafos ou períodos finais dos livros que leio, de maneira a estudar a conclusão. Isso mesmo, a temida conclusão, que a gente penava pra fazer nas redações do ensino médio. Pois é. Arrematar, bem, um texto de ficção, uma crônica, exige talento. Uma conclusão fraca pode por a perder um livro inteiro. Daí a minha obsessão pânica em investigar esse rabo esfíngico do texto.
Essa história da carochinha enorme é só pra mostrar as canetas lindas - varinhas decoradas - que integraram recentemente a minha coleção, e esse caderno de capa dura com frase do Kafka, que carregará mais algumas conclusões pro meu acervo. Também acabou servindo pra demonstrar minha inabilidade em terminar um texto decentemente.
que texto mais incrível, Aline!
ResponderExcluirque linda a história da sua família, e a sua relação com a escrita.
um segredinho: também sou viciada em finais de livros. leio sempre antes de começar a ler o livro, às vezes, até mesmo antes de comprá-los. e também coleciono caderninhos a torto e a direito, sempre com pena de usá-los :)
Que legal! :)
ResponderExcluirEu sempre amei escrever, ler e colecionar canetas.
Hehehe.
Amei tudo.
Beijos!
=*
Que lindo o texto, eu tb coleciono canetas e quando elas param de escrever continuam decorando minha mesa dentro de potes coloridos. Lindas as suas. Eu quando criança tb vivia escrevendo livrinhos, fazendo caderninhos rsrsrsr E quando eu tinha 7 anos eu tive que fazer um caderno inteiro de redações para apresentar a diretora da minha escola, e isso foi um grande passo na minha vida estudantil, eu adiantei um ano na escola. Hoje em dia não escrevo tanto como antes, mas ainda gosto.
ResponderExcluirbjs
Taí uma coisa que eu nunca imaginei que as pessoas pudessem colecionar: conclusões de livros. Achei fantástico, Aline. Simplesmente fantástico.
ResponderExcluirBjos
a caneca me traz saudades.
ResponderExcluiro esmalte tá lindo.
a coleção de canetas é de dar dó de usar.
o texto é delicioso.
mas o que eu quero mesmo é saber onde você comprou essa kafkaderno liiiiiiiiiiiiiindo
que fofuras
ResponderExcluirboa terça, beijinhos
Aline
ResponderExcluirqueria ter metade seu amor pela leitura e pela escrita...
quando leio, frequentemente, me distraio, e quanto tento escrever me afobo e acabo nunca conseguindo terminar o texto...
suas canetas e o caderno são lindos!
Ai Aline, que coisa mais lin-da! Aliás, lindassss: a história da sua avó, a relação dessa história com vc, seus livros e canetas, sua sensibilidade, e sim, seu esmalte que é impossível passar despercebido!!!
ResponderExcluirAmei...
Bjo,
Japá
Aline,
ResponderExcluirComo você escreve gostoso!!!
Vou começar a reparar mais o final do livro.
Ah! Suas varinhas de condão são lindas.
Super beijo
Nai
;-)curto sua magia. e suas varinhas de condão são as fofas do mundo.
ResponderExcluirLindas canetas e lindo texto. Particularmente, adoro quando você complementa o blog com seus textos. Comecei a acompanhar o blog há mais de ano, por admirar seu estilo, e foi uma grata surpresa quando li os primeiros textos mais elaborados, em que você revela seu talento pra escrita. :)
ResponderExcluirIsa, fiquei tão feliz em te ver comentando aqui!
ResponderExcluir=)
Dani, canetas sem carga tb continuam decorando minhas canecas e latinhas.
Juju, muita saudades! O kafkaderno (amei isso!) é do Besi, uma loja de decoração. Vou ver se ainda tem e te dou um.
Japa, Nai, Anônimo, Lual, obrigada pelos elogios!
Obrigada a todos pelo carinho!
Beijocas!
Tão bom ler o que você escreve! Acompanho o blog há um tempão, mas poucas são as vezes em que comento. Estou sempre com pressa. rs Lembro de que no meu primeiro comentário por aqui eu falava da minha surpresa em encontrar você andando de meias-calças amarelas pela Rio Branco, e eu cheia de vontade de te chamar, de gritar "oi, eu leio teu blog"! rs No início do mês fui fazer uma vista no INPI e fiquei pensando... Será que ainda consigo esbarrar com a minha amiga virtual por aqui? Bjos! Boa semana!
ResponderExcluirParabéns pelo livro que irá conter um texto seu!! Você merece, pois escreve muito bem. Esse post mesmo, tem um charme a mais, e não me venha com essa de que não sabe finalizar os textos.. modéstia, né!
ResponderExcluirQuando criança eu gostava de desenhar histórias em quadrinhos e tbm colecionava canetas, lapiseiras, borrachinhas ^^ Entrar em uma papelaria pra mim, era como se estivesse entrando no paraíso!rs Beijão