É... A vida quase sempre é uma megera para permitir que nossos desejos se concretizem, mas às vezes ela mostra que pode ser eficiente
nas questões, digamos, mais práticas. É impressionante como a histeria me cega
para certas questões banais. Ou eu me engano e procuro eufemismos que mascarem
a minha burrice.
Eu estava curtindo um longo butthurt acerca de coisas não feitas, caminhos atravancados, estagnação... Rodava
ao redor do meu próprio rabo sem saber exatamente por onde começar. É quando
concluo que a Ritalina talvez me fizesse bem. Concluo apenas, sem qualquer
mudança de atitude, já que minha disposição ou disciplina para medicamentos ou
tratamentos longos é pífia.
A questão é que oscilo entre
períodos de produtividade insana e marasmo. Há momentos em que quase nenhum obstáculo
parece intransponível. Noutros, apenas me cerco das atividades cotidianas,
torcendo para que nenhum intruso ou imprevisto intervenha no meu quadradinho.
E a sensibilidade. Sou libriana
com ascendente em leão. Esteta, hedonista, egocêntrica, ensimesmada. Reúno um
universo de interesses vasto o suficiente para que eu prescinda de pessoas – o
que tem dois lados. É sadio que seu universo afetivo independa de muita gente. Ter um número reduzido de indivíduos com quem realmente se importar,
ou que tenham real poder de nos afetar, poupa-nos boas horas de terapia e
cartelas de Rivotril. Por outro lado, a gente perde um bocado na troca de
experiências. Sou acostumada a ser só,
e isso em geral me traz mais benefícios que perdas, mas interagir nos ajuda a
crescer, nos desafia, nos ajuda a ficar mais perspicazes. Não é uma regra, mas
pode ser um caminho.
A sensibilidade que me faz
relevar o butthurt alheio, retirando-me do papel de vítima nos dilemas
diários, e que me permite ficar toda bocozona por causa de uma árvore florida,
de uma passagem de romance bem escrita, de uma lambida carinhosa entre meus
gatos, de uma descoberta cultural inesperada... Essa sensibilidade é a
mesma que me faz chorar em posição fetal por dois meses por algo que sou capaz
de resolver em dois minutos. Perdi a fila da inteligência emocional.
Tenho uma lista de realizações
edificantes que passa ao largo de mim enquanto me debato com questões mundanas
e espinhosas. E cada uma dessas que se resolve me dá satisfação também. Uma
satisfação menos sublime, porém mais realista, mais arroz-com-feijão, e talvez
eu deva aceitar de uma vez por todas que meu universo é esse da materialidade
imediata, do aqui-e-agora, e que essas coisas incríveis que eu almejo ainda não
são para mim ou talvez se revelem no exato momento em que eu pare de me
angustiar acerca delas. É certo que isso não vai acontecer, continuarei angustiada, e tenho mesmo minhas dúvidas se alguém chega a algum lugar sem esforço, dedicação e método. Chegar noutros lugares por acidente vai me consolando enquanto não chego ao alvo estabelecido.
Uma amiga querida uma vez me
disse algo como “a vida é uma puta caprichosa, por isso devemos viver
bem cada dia”. Oriento-me por essa filosofia o mais que posso, embora eu
respeite cada dor, cada hora sofrida como algo que pode ser encarado, sorvido e
até merecido. Não me faz bem fugir da dor. Prefiro entornar num só gole e me
reerguer mais abusada.
Essa reflexão se me apresenta
numa temporada de peças encaixadas, de soluções encontradas, de dilemas
resolvidos que me inspiram a ir mais longe, ao mesmo tempo em que nesse dia particular Murphy me ama na
velocidade cinco. Após a verdadeira odisseia que encarei nessa manhã, chego ao
trabalho com um bode da magnitude de um elefante, mas sou suavizada por
pequenos carinhos que me cercam: a delicadeza de amigos, o curso lindo de
História da Música Ocidental que inicio hoje, depois de muita hesitação. Foi
bom não fugir de quem gosta de mim, como foi ótimo investir uma grana em algo que
não vai acrescentar nada ao meu currículo, mas que vai me injetar entusiasmo e
experiência por muito mais que os dois meses da duração do curso. Se ainda não tive the time of my life, colecionar essas pequenas vitórias tem sempre a sua beleza.
Ao menos, a tal sensibilidade me
ergue com a mesma rapidez com que me derruba. Essa que me deixa alegre, ainda que eu seja quase sempre um pouco triste.
***
Abaixo, algumas dessas coisas simples que me enternecem - em fotos tosquérrimas de celular (gente, ando com uma preguiça gigantesca da minha câmera).
Vestido que usei no jantar de noivado da minha prima. Foi um dia muito feliz para nós duas. Minha família é minúscula e a Lu é quase uma irmã. Adoro esse vestido, mas tive poucas chances de usá-lo. Obrigada pela oportunidade, prima! ;)
Salmão à bellemeunier, da Cantina Donanna, um lugar especial onde meu amor me levou logo no início do namoro e onde voltamos quase um ano depois para uma pseudo-comemoração de seu aniversário.
Fui àquele lugar maravilhoso que é o Teatro Municipal assistir ao Carmina Burana, que me emocionou mais pela própria música que pelo ballet contemporâneo. Talvez eu não seja assim tão sensível, hehe.
O lugar é tão rico e opulento que senti falta das cartolas, dos leques e dos chapéus. Também fiquei me perguntando como as madames se aboletavam naquelas cadeirinhas minúsculas com seus vestidos armados. Vendo a profusão de celulares e tablets acesos no interior do teatro, meu namorado e eu tivemos uma epifania, notando o quão curiosa era a situação e relembrando dos romances românticos e realistas dos séculos XIX, que narravam inúmeras manobras políticas, adultérios, calúnias, rompimentos, tramas e trocas de olhares que se consumavam no teatro. Combinamos de numa próxima sentarmos em galerias opostas para paquerarmos à moda antiga (até parece!).
Filme excelente sobre o extermínio de ciganos da Hungria. É brutalmente realista, ao mesmo tempo em que consegue ser poético, sem cair no maniqueísmo.
As leituras da vez. Estava louca para ler esse do Duby porque boa parte dele trata da condição da mulher na Idade Média. O outro é o Tenda dos Milagres, que peguei na biblioteca da minha mãe para o Fórum literário. Minha mãe tem a coleção completa do autor, só porque não ligo para ele. Na casa dela, eles também andavam meio esquecidos, tanto que esse está com a capa bem sujinha.
O texto ficou ótimo.
ResponderExcluirFiquei com muita vontade de comer esse salmão rs.
Deve ter sido o máximo ter ido ao teatro munical assistir Carmina Burana.
bjOos
Que bom que gostou do texto!
ExcluirO salmão estava delicioso e ir ao Municipal é sempre uma alegria!
:)
me identifico... e às vezes fico pensando, quem nunca?
ResponderExcluirEu também não entrei na fila da "inteligência emocional", uma pena. Ao invés, entrei descaradamente na "Ansiedade Mórbida". Em dias assim, lembro de um trecho de uma música do Lobão: "Correr com lágrima nos olhos não é, definitivamente, para qualquer um". E sigo.
ResponderExcluirBjs e boa semana!
Esse é um dos blogs que mais acompanho, mas é uma daquelas situações sabe? A pessoa acaba virando uma amiga a distancia que vc acompanha. Por exemplo, eu estava no Municipal no dia do Carmina Burana. Até te vi, pensei em te cumprimentar mas fiquei com vergonha....
ResponderExcluirAquela coisa.
TEm uma amiga querida que diz"Ana, a vida é um trem descarrilhado indo para uma parede. Tudo o que nos resta é aproveitar a viagem, pq a estação final já sabemos qual é". Essa é minha filosofia.
Beijos e boa semana
Oi, Ana!
ExcluirPodia ter me dado um oi, ué!
:P
Bonita a mensagem da sua amiga. E sensata.
Beijo!
Que post mais lindo e delicado...preciso voltar aqui mais vezes. Sem falar que o seu parágrafo 4 poderia ter sido escrito por mim (se eu tivesse a capacidade e as palavras para me expressar tão bem). Pensando bem, vou escrever um post no meu blog sobre isso porque ando eremita demais! Comfort zone pra evitar mais irritações com gente que não vive a minha vida e no entando agora julgar.
ResponderExcluirEnfim, gostei! Vou voltar com mais calma para ler uns posts antigos ;-)
beijos e força pra você